quarta-feira, 2 de setembro de 2009

TURISTICANDO ECOLOGICAMENTE - Amapaisagens, 1992 - Hélio Pennafort -

Maripá - Estávamos em dúvida se o camping seria na parte de baixo ou na parte de cima da cachoeira do Grand Roche. Na parte de baixo, tinha a vantagem das praias e da Ilha dos Namorados. Mas, na parte de cima, podia-se apreciar o belo visual do rio com a agitação natural das águas, quando estão prestes a destrambelhar por essa grande pedra, que atravessa o Oiapoque de margem a margem. Resolvemos, então, dividir o tempo. Metade em riba e metade em baixo. Estávamos em território da Guiana Francesa, mas podíamos enxergar a vila de Clevelândia do Norte. Tudo perto, portanto.

Decidida a divisão das horas de lazer, pegamos um trole que os franceses instalaram alí para transportar as canoas que demandam o Camopi e outros lugarejos do alto-Oiapoque porque a maior parte do ano, quando chove muito e o aguaceiro cresce, é impossível conduzí-la pelas pancadas do Grand Roche. A turbulência oferece algum perigo. E ninguém quer se arriscar.

O trole é empurrado por tacarrís, aquelas varas compridas que se usa também para empurrar canoas em campos alagados. Pode levar até seis pessoas quando não transporta nenhuma embarcação. E corre sobre trilhos que parecem centenários. Por esse caminho, a distância que separa os dois lados da cachoeira é de apenas dois quilômetros. Gostosos de se percorrer. A vegetação é abundante, como em toda margem do Oiapoque. E, apesar do lugar ser constantemente visitado, não é difícil encontrar pelo caminho alguma cotia desavisada ou solitários jacamins literalmente matutando.

Ninguém tinha pressa. Por isso, ficamos esperando quase meia-hora na metade do caminho enquanto o afoito Marcelo arrancava dois palmitos de açaí, imaginem para quê! Para tirar gosto da cachaça, cuja primeira garrafa já estava pelo meio. Conheço tira-gostos de muitos tipos e sabores, mas nunca havia me passado pela cabeça misturar cachaça com palmito cru.

Uma ladeira de pouca inclinação indicava a proximidade do rio, todo mundo desceu porque o trole é freado manualmente e muito peso pode fazer com que ele desembeste. Colocando o tacarri entre a roda da frente e a estrutura do veículo, fomos andando devagar até alcançar a beira do rio.

Tinha-se, alí, uma visão do Oiapoque completamente diferente da parte de baixo da cachoeira. O rio ficava mais estreito e em consequência adquiria uma correnteza incrível. Era necessário se esperar, por exemplo, que o motor funcionasse primeiro para poder desatracar a embarcação. Do contrário, ela poderia ser levada para a cachoeira e aí a coisa complicaria. Vale dizer que Grand Roche é uma das mais respeitáveis cachoeiras do Oiapoque. As outras relativamente próximas, são Papacoarrá, Cachiri e Couleve, em português, sucuriju. Na força do verão, o trole fica desativado. É que a cachoeira perde muito de sua força e as canoas podem ser passadas pelo Iarracuá, num remanso que a maré baixa faz surgir, no lado direito.

A água estava bastante fria de forma que o calor acumulado pelo esforço de empurrar o trole foi, pouco a pouco, sumindo do corpo da gente. Não precisa dizer que curtíamos a água de bubuia olhando a corredeira do Galibi Grande, que fica logo em frente do porto do Maripá. E eis que, de repente, aparece um providencial pescador da Guiana trazendo na ubá alguns aracusrecem-capturados pela força sedativa do cunambi. Enrolando um patuá meio fora de escantilhão, propusemos ao creôlo trocar quatro "puassons" por uma "boteille de tafiá". Além de aceitar, o cara ainda ajudou a gente a assar o peixe num fogaréu feito de gravetos, com o cuidado de, antes, retirar da barriga do aracú a bola preta do cunambi.

Depois de revigorados pelo lanche, incluindo os palmitos do Marcelo, pegamos novamente o trole para gastar o resto do dia na parte de baixo da Grand Roche.

O local era bem mais amplo e possuía, belas praias cercadas de denso arvoredo. Bem perto, a Ilha dos Namorados. Pequenina, com mato ralo e areia fina pela beira. Leva esse nome porque homizia casais desgarrados quando o piquenique tem muita gente. Pode-se alcançá-la nadando mesmo.

O banho saideiro levou quase duas horas. É que o lugar prende não apenas pela beleza que oferece. Mas, também, por uma indescritível sensação de tranquilidade, capaz de levar a gente ao estado de pura lassidão espiritual, aquela espécie de preguiça que dá na alma impedindo o corpo de se libertar dos afagos da natureza.

" E assim fiquemos bem feliz todo um tempão "

Trecho encachoeirado do Rio Oiapoque



Nenhum comentário:

Postar um comentário