quarta-feira, 23 de junho de 2010

O Povo Daqui - PARTE XI - Calçoene - Parte II

A Descoberta do Ouro

A região brasileira banhada pelo rio Amazonas, a partir do século XV, sempre fez parte da ambição de nações estrangeiras: espanhóis, ingleses, holandeses, franceses . … Sendo que os três últimos após derrotas militares, muitas das quais infladas de patriotismo, estabeleceram-se no extremo norte do continente Sul Americano.

Fotos: Flávia Pennafort

Cachoeira do Firmino

Atrás da propriedade que pode ser vista do outro lado do rio, passava um trilho por onde o ouro era transportado em troles para o trecho do rio Calçoene hoje conhecido como cachoeira da Sidomena, de lá o destino do metal era a Guiana Francesa.
Os arredores da propriedade, serviram durante a ocupação francesa, como cemitério para os crioulos que morriam na região, vítimas, principalmente, de malária.


 É sabido que “...antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o espanhol Vicente Yañez Pinzón visitou a costa nordeste da América e chegou até o estuário do grande rio que, escondido em igarapés, furos, rios e passagens, não se dava a conhecer.... À região para o norte, onde é hoje o Amapá, chamou de costas anegadas, isto é, terras afogadas. Descobriu o rio Oiapoque, que logo recebeu seu nome. O mistério e a imensidão da região logo despertaram a cobiça e o desejo de possuí-la....” ( Lessa, 2005 )

Mas foi a partir de 1893, com a descoberta de ouro em Calçoene pelos irmãos Germano e Firmino, que uma importante fase emerge na história da região. Fase esta em que a diplomacia e o poderio militar brasileiro foram postos à prova. E quando defitivamente o rio Oiapoque foi reconhecido como tal e sendo ele a definitiva fronteira do Brasil com a Guiana Francesa.

Descoberta do ouro em Calçoene... Um sonho!!!

“É que o pai de germano e Firmino, antes de morrer, tivera uma visão estranha. Narrara ao filho que Santo Antônio lhe aparecera certa noite, nos devaneios de um sonho, e lhe dissera que seguisse o curso do rio Calçoene e haveria de encontrar ouro. Dera-lhe o roteiro, sugerindo que, ao alcançar o igarapé, que indicara, penetrasse na floresta, acompanhando o curso daquele afluente do Calçoene. Lembrava-se bem das palavras que ouvira:

- Meu filho, depois de passares por sete cachoeiras penetra na mata na direção do oeste. Encontrarás ouro no primeiro igarapé, ainda a oeste.

O afluente do Calçoene mais tarde receberia dos franceses o nome de rio Carnot.” ( Meira, 1975 )

Este sonho veio a ser também o sonho dos dois irmãos que, conhecedores de terras auríferas, decidiram subir o rio Calçoene. Após sete dias de viagem pelo rio encachoeirado, quando por diversas vezes tinham que tomar a margem do rio carregando a embarcação até alcançarem um trecho navegável, Germano e Firmino se deparam com um trecho de alto grau de dificuldade em que o rio se dividia em trechos de cachoeiras com a água a desabar sobre pedras.

Deixaram a embarcação à margem e durante vinte dias seguiram à pé sempre na direção oeste, mata adentro, sujeitos a ataques de animais selvagens como onças, gatos do mato, serpentes, …
Foi na manhã do vigésimo primeiro dia que Germano encontra um modesto filão do cobiçado metal. “Quem poderia explicar os segredos do sonhos premonitório? Findava o ano de 1893... 1894 seria ano de grandes surpresas para a região. A descoberta do ouro atrairia em breve milhares de pessoas de todas as direções, cegas de ambição. Outros garimpos em vários rios já exauridos ficariam ao abandono. Os franceses e os crioulos da Guiana desceriam de seus domínios em direção ao sul, penetrando em terras brasileiras, invocando direitos inexistentes. Todo um novo panorama histórico se descerraria e a região viria a ser teatro de lutas memoráveis”. ( Meira, 1975 )

O rio Calçoene em toda a sua extensão é altamente encachoeirado.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Comunidade do Curiaú festeja Santo Antônio - Por Mariléia Maciel

Iniciou nesta segunda-feira, 7, as festividades em homenagem à Santo Antônio, na comunidade de Curiaú de Baixo, no Quilombo do Curiaú. Festejado no dia 13, o santo conhecido como casamenteiro leva para a comunidade centenas de fiéis para os sete dias de festejos que incluem ladainhas, almoços, batuques, alvorada de fogos e bailes, numa grande mobilização dos descendentes dos primeiros moradores do quilombo.

Fotos: Mariléia Maciel

A festa iniciou em junho de 1944 por iniciativa da família Silva e até hoje é coordenada com a ajuda de toda a comunidade do quilombo que se mobiliza para receber os convidados, visitantes, fazer homenagens e pagar promessas. Deusa Silva, filha dos já falecidos Maria Agda Silva e Joaquim José de Oliveira, que iniciaram os festejos, preside a comissão de organização. Ela explica que a festa é importante por manter viva a tradição folclórica da comunidade.

Desde ontem estão acontecendo as ladainhas que seguem até dia 10, sempre às 19:00. No dia 11 inicia a programação festiva às 12:00 com o almoço, jantar às 19:00 seguido da última ladainha e encerra com o batuque até a aurora do dia 12, quando às 06:00 os batuqueiros saem pelas casas da vila levando a tradição em cada porta.


Após a visita dos batuqueiros, começa o baile dançante. Ao meio-dia, ainda do dia 12, é servido o almoço e às 19:00 o jantar e logo após o baile. O dia de Santo Antônio, 13 começa com a festiva alvorada de fogos, às 06:00. Ao meio-dia é servido o almoço e após a refeição começa o último baile até as primeiras horas da madrugada. Toda a programação acontece no Centro Comunitário de Curiaú de Baixo.

Mariléia Maciel
Assessora de Comunicação
Mais informações: 8116-6687

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O Povo Daqui - PARTE X - Histórias, Crenças e Superstições - CALÇOENE - Parte I

Fotos: Flávia Pennafort

Cachoeira do Firmino

Foi nas margens da Cachoeira do Firmino que se originou a Vila do Lourenço,
um povoado que sobrevivia basicamente da exploração do ouro.

Calçoene

Município de onde vem minha ramificação materna merece todo carinho e atenção. Flávia não poupou esforços para mostrar o quanto este pedaço do Amapá é tão encantador em todos os sentidos. Seja pelas majestosas corredeiras ao longo do rio Calçoene, seja pelas histórias contadas pelos moradores que arrepiam qualquer um que as escuta tendo como pano de fundo o estrondoso som das águas do rio. Com cenários repletos de campos antes alagados e que hoje abrigam a criação de búfalos; há mangues, matas de várzea e igapó, Calçoene abriga igarapés de tamanhos variados e ainda ostenta uma quase intocada praia: Goiabal.

De Vila do Lourenço, Calçoene foi transformado em Município pela Lei nº 2.055, em 22 de dezembro de 1956. Está localizado ao norte do Estado, a 380 km Cidade de Macapá. Possui três distritos: Calçoene, Cunani e Lourenço. Com uma população de 9.291 habitantes, sua área mede 14.269,26 Km2, segundo dados do IBGE. 

Igreja Nossa Senhora da Conceição, em homenagem a padroeira da cidade.

É o município onde encontram-se (ou encontravam-se) as maiores jazidas de ouro da região. Calçoene, assim como muitas regiões auríferas, sucumbiu à própria riqueza. Como dizia meu pai, “tinha tudo para ser o município mais desenvolvido e não o mais ….dido” do então Território do Amapá.
Das minas de Lourenço, a cidade nada ostenta que possa testemunhar o apogeu de uma época de intensa exploração do metal: nehuma igreja ou uma imagem com detalhes em ouro, uma pintura, … tradição comum em regiões onde os minérios tiveram forte exploração. Mas Calçoene não tem nem mesmo um simples monumento que lembre tal período: só o buraco das escavações e as lembranças dos familiares daqueles que morreram vítimas de malária ou acidentes de trabalho.
Entretanto, a cidade está despontando com forte potencial turístico e pesqueiro, graças ao empenho do governo municipal e da iniciativa privada.

Num dos muitos igarapés da região, meu tio, Ciro Pennafort, estava mergulhando com traje e equipamento completos quando atraiu a atenção e a mira da espingarda de um pescador. É que o dito pescador nunca tinha visto tal coisa... as bolinhas de água e o tubinho ( snorkel ) o assustaram. Como a região é rica em histórias assombrosas e mistérios ele não pensou duas vezes para apontar em direção ao tio Ciro, que só escapou de um tiro porque se apressou em identificar-se como ser humano.

O presságio das Cachoeiras

Afirmam os moradores que quando a cachoeira do Firmino, situada na frente da cidade, "urra" e a da Sidomena responde com outro "urro" é só uma questão de horas para receber a notícia de que alguém morreu afogado nas águas do rio.


Cachoeira do Firmino


Cachoeira da Sidomena

Não há hora marcada ou estação, pode ser o período de cheia ou de seca os moradores são unânimes em afirmar que as cachoeiras realmente urram: é um barulho muito mais alto do que estão acostumados a ouvir constantemente, uma vez que vivem às margens das corredeiras. Primeiro ouvem a do Firmino que emite um som como que saindo das profundezas, depois a da Sidomena responde à altura. O presságio está feito.

Tarumã, segundo os pescadores

 Segundo pescadores e moradores da cidade, o Tarumã é um tronco que navega o rio e pode assumir a posição vertical ou horizontal, mas o fato é que ele vem sempre contra a correnteza. Ao cruzar com ele é tradição dos pescadores colocarem oferendas em cima do tronco. Geralmente cachaça ou cigarros. Tal oferta é um pedido para uma pesca farta.

Calçoene tem um grande potencial pesqueiro com capacidade de abastecer
a cidade de Macapá e Santana, além de exportar para outras cidades do país.

  São os pequenos pescadores que testemunham de perto a aparição do Tarumã.

Em certas manhãs o Tarumã aparece na cachoeira do Firmino em frente a cidade e fica lá durante horas. Todos correm para as margens a fim de testemunhar o famoso tronco. E sem ninguém perceber ele desaparece.
Mesmo com a forte correnteza ele fica parado ou navega contra ela a sua própria vontade, sem que nenhuma força externa o impulsione.
Contam que um rapaz ficou doente e perdeu o juízo por cometer o sacrilégio de beber da cachaça ofertada ao Tarumã. Outro teve seu barco afundado por tentar amarrá-lo.

Matinta Perêra

Pássaro que assume a forma humana de uma velha senhora mas que à noite assombra e acompanha caçadores ou pescadores que se embrenham pelos igarapés ou florestas. Meu bisavô, Antônio Cipriano dos Santos, teve suas histórias de confronto com a Matinta Pereira. Contou ele, certo dia, para minha bisavó, quando chegou da pesca que o dito pássaro o acompanhara durante boa parte do trajeto. O pássaro ficara na proa de sua montaria ( casco ) cantando com aquele som horripilante até que em determinado momento meu bisavô disse a ela que o deixasse em paz, que parasse de mexer com ele porque ele não estava mexendo com ninguém.

Calçoene é muito mais!

Goiabal

Búfalos e garças nos campos

Atualmente existe uma estrada que liga Calçoene à praia do Goiabal. Como praticamente revelei minha idade na postagem de aniversário do bairro do Laguinho, não custa nada revelar que na minha infância tal estrada não existia. Íamos de Calçoene até a fazenda de meus bisavós, na praia do Goiabal, em "montarias" ( cascos a remo ). Eram horas e mais horas atravessando igarapés, campos alagados com a ajuda de varejões e manguezais onde os homens carregavam ou arrastavam os cascos e caminhávamos com a lama até o joelho. A paisagem acima pode ser vista durante o trajeto para a praia.

Pescador usa o estilingue para matar tralhotos* que servem
como isca para a pesca de peixes maiores.


Praia do Goiabal.
Eu e Paula: um dia de praia só para nós

Do outro lado da vegetação que pode ser vista, está a fazenda que pertenceu ao meu bisavô, José Cipriano dos Santos e a minha bisavó, Cecília. Lá, eles moraram praticamente a vida toda, sobrevivendo da caça, pesca, criação de animais domésticos e bovinos. Como viviam próximo à praia, a água dos poços era salobre e quando esta atingia um grau de salinização impróprio ao consumo humano, eles armazenavam a água da chuva, em tambores que compravam em Calçoene ou que achavam na praia trazidos pela maré.
*tralhoto: ou peixe de 04 olhos (Anableps anableps). Tem esse nome porque possui o globo dividido em duas áreas distintas, a superior ( fica fora d´água ) é adaptada para a visão aérea e a inferior para visão aquática.

Asa Aberta

Curiosidades

O primeiro prefeito de Calçoene foi o Senhor Coaracy Sobreira Barbosa, no período de 1957 - 1961, durante o governo de Amílcar da Silva Pereira.

No ano de 1965, no governo do General Luiz Mendes da Silva, Hélio Guarany de Souza Pennafort ocupava a cadeira máxima do executivo municipal.  

Estes são os destroços de uma embarcação que estava carregada de café com destino a Guiana Francesa. Caracterizado o contrabando, o prefeito da cidade, mandou apreender a mercadoria e o dono da embarcação a abandonou.

Segundo minha prima, Laíde Lima Monteiro, papai quando retornava de uma viagem de barco ao Distrito de Cunani, costumava cantar

"Vocês deviam conhecer uma terra boa
Vocês deviam conhecer o Cunani
Quando o motor vem zoando as morenas vão pulando
e vão dizendo o Helinho vem aí"

Um abraço e um beijo salobre das águas do Goiabal,

Hélida