quarta-feira, 11 de julho de 2012

Igarapé do Lago homenageia Nossa Senhora da Piedade


Faz calor na manhã nublada em que os fiéis do Distrito do Igarapé do Lago conduzem a imagem de Nossa Senhora da Piedade para a Procissão da Meia Lua. É o décimo primeiro dia de programação das festividades em honra à Santa e esse rito consiste em percorrer uma trajetória de meia lua pelo igarapé que banha a vila.
( Fotos: Flávia Pennafort )
A Festa da Piedade é organizada pela União Folclórica do Igarapé do Lago e consiste de uma extensa estrutura de rituais: missas, novenas com o canto da folia, peregrinações pelas casa ribeirinhas, corte do mastro, esmola, repique se sinos, salva de fogos, procissão da Meia Lua e batuque.
A comissão organizadora vem à frente. O porta-bandeira traz o estandarte onde está pintada a imagem de Nossa Senhora com seu filho ao colo, em seguida a guardiã carrega a imagem da Santa entre o mantenedor e o fiel com a cruz branca, símbolo da fé cristã. Fiéis acompanham a comitiva entoando a folia ao ritmo de tambores e ganzás.
 O porta-bandeira tem que ter equilíbrio nas evoluções durante o trajeto e, dentre outros cuidados a serem tomados, não deixar o estandarte tocar na água.
Terminada a procissão, a missa do dia é encerrada pelo diácono e a comunidade faz uma pausa para o almoço e em seguida começa o batuque, ponto máximo da festa.
O Mastro permanece em frente a igreja durante o período festivo.
Sabe-se que a festividade na região do Igarapé do Lago remonta ao início do século passado e que Belmiro Macedo Medina foi quem, durante os primeiros ciquenta anos, organizou e liderou os festejos, chegando ele mesmo a confeccionar os tambores que até hoje são usados durante as cerimônias. Mas é Dona Zezinha, uma das “Escravas devotas de Nossa Senhora” quem expõe a mitologia que deu origem à Festa.

Dona Zezinha, 84, nascida e criada em Mazagão Velho é uma das dançarinas 
"Escravas de Nossa Senhora". São mulheres de todas as faixas étárias que dançam o batuque.

Muito tempo atrás no continente Africano, um casal de negros teve uma linda filha: branca, loura e de olhos claros, que chamou a atenção de todos, tanto por sua formosura quanto pelo fato de que naquele tempo o continente só era habitado por negros. O fato chegou ao conhecimento do rei que, movido pela curiosidade, foi visitar o casal. Ao ver a criança ele e a rainha se ofereceram para serem os padrinhos de Sereia, como foi chamada a pequena.


Sereia cresceu à sombra do amor e a dedicação de seus pais e irmãos e com o amparo e proteção real. E assim foi até a sua adolescência quando, prestes a completar quinze anos, ela declarou querer de presente um barco, pois seu sonho era conhecer o Atlântico. Seu padrinho, o rei, atendeu ao pedido da afilhada e no dia do seu aniversário levou a todos para passear* no barco que tinha como tripulação os irmãos de Sereia.

O passeio seguia como um sonho quando uma forte tempestade abateu o oceano e fortes ondas entornaram a embarcação, lançando todos no mar agitado. Mesmo lutando por suas vidas, todos viram quando um grande animal emergiu e puxou Sereia para o fundo. Ao chegar em terra firme, olhavam desesperados para o mar na esperança de que a moça aparecesse. Chegou o fim do dia e do oceano só o barulho das ondas se faziam ouvir.

Ao chegarem em casa relataram o ocorrido a todos que conheciam:

“Fomos passear com a Sereia,
bicho do fundo levou.
Nos corre sangue nas veias,
no coração deixa a dor”.**

Dia após dia, seus irmãos voltavam ao local de seu desaparecimento na esperança de que Sereia aparecesse. Sua mãe implorava a Nossa Senhora para que tivesse piedade de seu sofrimento e que a fizesse ver sua filha novamente. Até que passado um mês, ao chegarem ao local, viram sua irmã em cima de um morro de areia, com seus membros inferiores semelhantes a um peixe de escamas prateadas. Inflamados de emoção, os irmãos tentaram se aproximar de Sereia, mas esta pediu para não ser abraçada, pois agora eles não pertenciam mais ao mesmo meio. Pediu, porém que, em um mês, trouxessem sua mãe para vê-la.

Assim foi feito, e em um mês, retornaram ao seu boiador em companhia de sua mãe, que ao ver a amada filha, caiu em prantos e agradeceu a Nossa Senhora que teve piedade de seu sofrimento e concedeu a graça de fazê-la ver sua filha uma vez mais.

Sereia declarou que fora encantada e agora sua sina seria viver no fundo dos rios e mares como Iemanjá. E em agradecimento à Nossa Senhora, sua família deveria fazer uma estátua da Santa com o filho Jesus ao colo. Além disso uma festa deveria ser preparada. E assim foi, Iemanjá orientou todos os aspectos da festa: o canto da folia, como deveriam ser feitos os instrumentos, as procissões, a bebida gengibirra, o batuque e tudo mais.

E, assim, começou a tradição que chegou até hoje repleta de fé e tradição. Com fervor religioso e seu ritmo contagiante o Batuque da Piedade é um elo que une nações e gerações.


*Procissão da meia lua
**Relato que acabou se tornando a principal jaculatória da folia e do batuque.


O batuque é a herança dos antepassados escravos, a parte profana da festa e o ponto máximo da manifestação cultural. Batedores seguem a tradição de sentar em cima dos tambores. Estes foram confeccionados por Belmiro Macedo Medina mais de cem anos atrás.

A Festa da Piedade está incluída no Caléndário Turístico Oficial da EMBRATUR.

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