segunda-feira, 7 de junho de 2010

O Povo Daqui - PARTE X - Histórias, Crenças e Superstições - CALÇOENE - Parte I

Fotos: Flávia Pennafort

Cachoeira do Firmino

Foi nas margens da Cachoeira do Firmino que se originou a Vila do Lourenço,
um povoado que sobrevivia basicamente da exploração do ouro.

Calçoene

Município de onde vem minha ramificação materna merece todo carinho e atenção. Flávia não poupou esforços para mostrar o quanto este pedaço do Amapá é tão encantador em todos os sentidos. Seja pelas majestosas corredeiras ao longo do rio Calçoene, seja pelas histórias contadas pelos moradores que arrepiam qualquer um que as escuta tendo como pano de fundo o estrondoso som das águas do rio. Com cenários repletos de campos antes alagados e que hoje abrigam a criação de búfalos; há mangues, matas de várzea e igapó, Calçoene abriga igarapés de tamanhos variados e ainda ostenta uma quase intocada praia: Goiabal.

De Vila do Lourenço, Calçoene foi transformado em Município pela Lei nº 2.055, em 22 de dezembro de 1956. Está localizado ao norte do Estado, a 380 km Cidade de Macapá. Possui três distritos: Calçoene, Cunani e Lourenço. Com uma população de 9.291 habitantes, sua área mede 14.269,26 Km2, segundo dados do IBGE. 

Igreja Nossa Senhora da Conceição, em homenagem a padroeira da cidade.

É o município onde encontram-se (ou encontravam-se) as maiores jazidas de ouro da região. Calçoene, assim como muitas regiões auríferas, sucumbiu à própria riqueza. Como dizia meu pai, “tinha tudo para ser o município mais desenvolvido e não o mais ….dido” do então Território do Amapá.
Das minas de Lourenço, a cidade nada ostenta que possa testemunhar o apogeu de uma época de intensa exploração do metal: nehuma igreja ou uma imagem com detalhes em ouro, uma pintura, … tradição comum em regiões onde os minérios tiveram forte exploração. Mas Calçoene não tem nem mesmo um simples monumento que lembre tal período: só o buraco das escavações e as lembranças dos familiares daqueles que morreram vítimas de malária ou acidentes de trabalho.
Entretanto, a cidade está despontando com forte potencial turístico e pesqueiro, graças ao empenho do governo municipal e da iniciativa privada.

Num dos muitos igarapés da região, meu tio, Ciro Pennafort, estava mergulhando com traje e equipamento completos quando atraiu a atenção e a mira da espingarda de um pescador. É que o dito pescador nunca tinha visto tal coisa... as bolinhas de água e o tubinho ( snorkel ) o assustaram. Como a região é rica em histórias assombrosas e mistérios ele não pensou duas vezes para apontar em direção ao tio Ciro, que só escapou de um tiro porque se apressou em identificar-se como ser humano.

O presságio das Cachoeiras

Afirmam os moradores que quando a cachoeira do Firmino, situada na frente da cidade, "urra" e a da Sidomena responde com outro "urro" é só uma questão de horas para receber a notícia de que alguém morreu afogado nas águas do rio.


Cachoeira do Firmino


Cachoeira da Sidomena

Não há hora marcada ou estação, pode ser o período de cheia ou de seca os moradores são unânimes em afirmar que as cachoeiras realmente urram: é um barulho muito mais alto do que estão acostumados a ouvir constantemente, uma vez que vivem às margens das corredeiras. Primeiro ouvem a do Firmino que emite um som como que saindo das profundezas, depois a da Sidomena responde à altura. O presságio está feito.

Tarumã, segundo os pescadores

 Segundo pescadores e moradores da cidade, o Tarumã é um tronco que navega o rio e pode assumir a posição vertical ou horizontal, mas o fato é que ele vem sempre contra a correnteza. Ao cruzar com ele é tradição dos pescadores colocarem oferendas em cima do tronco. Geralmente cachaça ou cigarros. Tal oferta é um pedido para uma pesca farta.

Calçoene tem um grande potencial pesqueiro com capacidade de abastecer
a cidade de Macapá e Santana, além de exportar para outras cidades do país.

  São os pequenos pescadores que testemunham de perto a aparição do Tarumã.

Em certas manhãs o Tarumã aparece na cachoeira do Firmino em frente a cidade e fica lá durante horas. Todos correm para as margens a fim de testemunhar o famoso tronco. E sem ninguém perceber ele desaparece.
Mesmo com a forte correnteza ele fica parado ou navega contra ela a sua própria vontade, sem que nenhuma força externa o impulsione.
Contam que um rapaz ficou doente e perdeu o juízo por cometer o sacrilégio de beber da cachaça ofertada ao Tarumã. Outro teve seu barco afundado por tentar amarrá-lo.

Matinta Perêra

Pássaro que assume a forma humana de uma velha senhora mas que à noite assombra e acompanha caçadores ou pescadores que se embrenham pelos igarapés ou florestas. Meu bisavô, Antônio Cipriano dos Santos, teve suas histórias de confronto com a Matinta Pereira. Contou ele, certo dia, para minha bisavó, quando chegou da pesca que o dito pássaro o acompanhara durante boa parte do trajeto. O pássaro ficara na proa de sua montaria ( casco ) cantando com aquele som horripilante até que em determinado momento meu bisavô disse a ela que o deixasse em paz, que parasse de mexer com ele porque ele não estava mexendo com ninguém.

Calçoene é muito mais!

Goiabal

Búfalos e garças nos campos

Atualmente existe uma estrada que liga Calçoene à praia do Goiabal. Como praticamente revelei minha idade na postagem de aniversário do bairro do Laguinho, não custa nada revelar que na minha infância tal estrada não existia. Íamos de Calçoene até a fazenda de meus bisavós, na praia do Goiabal, em "montarias" ( cascos a remo ). Eram horas e mais horas atravessando igarapés, campos alagados com a ajuda de varejões e manguezais onde os homens carregavam ou arrastavam os cascos e caminhávamos com a lama até o joelho. A paisagem acima pode ser vista durante o trajeto para a praia.

Pescador usa o estilingue para matar tralhotos* que servem
como isca para a pesca de peixes maiores.


Praia do Goiabal.
Eu e Paula: um dia de praia só para nós

Do outro lado da vegetação que pode ser vista, está a fazenda que pertenceu ao meu bisavô, José Cipriano dos Santos e a minha bisavó, Cecília. Lá, eles moraram praticamente a vida toda, sobrevivendo da caça, pesca, criação de animais domésticos e bovinos. Como viviam próximo à praia, a água dos poços era salobre e quando esta atingia um grau de salinização impróprio ao consumo humano, eles armazenavam a água da chuva, em tambores que compravam em Calçoene ou que achavam na praia trazidos pela maré.
*tralhoto: ou peixe de 04 olhos (Anableps anableps). Tem esse nome porque possui o globo dividido em duas áreas distintas, a superior ( fica fora d´água ) é adaptada para a visão aérea e a inferior para visão aquática.

Asa Aberta

Curiosidades

O primeiro prefeito de Calçoene foi o Senhor Coaracy Sobreira Barbosa, no período de 1957 - 1961, durante o governo de Amílcar da Silva Pereira.

No ano de 1965, no governo do General Luiz Mendes da Silva, Hélio Guarany de Souza Pennafort ocupava a cadeira máxima do executivo municipal.  

Estes são os destroços de uma embarcação que estava carregada de café com destino a Guiana Francesa. Caracterizado o contrabando, o prefeito da cidade, mandou apreender a mercadoria e o dono da embarcação a abandonou.

Segundo minha prima, Laíde Lima Monteiro, papai quando retornava de uma viagem de barco ao Distrito de Cunani, costumava cantar

"Vocês deviam conhecer uma terra boa
Vocês deviam conhecer o Cunani
Quando o motor vem zoando as morenas vão pulando
e vão dizendo o Helinho vem aí"

Um abraço e um beijo salobre das águas do Goiabal,

Hélida

4 comentários:

  1. Lindo demais! Quero ir a Calçoene. Difícil, mas possível.

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  2. Querido Anônimo. Não é tão difícil chegar em Calçoene uma vez que o trecho da br 156 até lá é todo asfaltado. A cidade tem pousadas com ar condicionado e restaurantes.
    Um abraço
    Hélida

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  3. MINHA QUERIDA FOI BOM VÊ SUAS FOTOGRAFIAS, TIVE UM PEQUENO ACESSO A SUA CULTURA E SEI QUE VC CONTRIBUI PARA DIFUNDI-LA, FICO ALEGRE EM SABER QUE TEM ALGUÉM QUE TEM ORGULHO DE SUA TERRA ABRAÇOS ESPERO UM DIA CONHECER VC E SUA TERRA.

    WAGNER TECLANDO DE BRASILIA

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  4. Gostei muito do site, me ajudou a conhecer um pouco mais sobre o Amapá. Parabéns pelo trabalho, abraços!

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