O estourar dos foguetes anuncia o início das festividades.
Cumprindo o Ciclo do Marabaixo, a Associação Cultural Raimundo Ladislau festejou a Quarta-Feira da Murta do Divino Espírito Santo com uma programação que começou às 17:30 e terminou no amanhecer de hoje, Quinta-Feira da Hora, às 06:00 quando foram levantados os mastros do Divino.
Às 17:30 os brincantes da Associação formados por tocadores, dançadores e cantadores, como são chamados os dançarinos e cantores, junto com participantes da comunidade saíram da casa da Tia Biló em procissão cantada e ao toque das caixas de marabaixo até a casa da dona Raimunda Ramos, onde estavam os mastros que foram trazidos no último domingo. Desta vez eles trouxeram de lá os ramos de murta que, de acordo com a tradição, serve para enfeitar o mastro e espantar mau-olhado.
Murta ( fonte: MARABAIXO: IDENTIDADE SOCIAL E ETNICIDADE NA MÚSICA NEGRA DO AMAPÁ, Sheila Mendes Accioly e Sandro Guimarães de Salles )
Indagado sobre o seu significado, o Mestre de Marabaixo Raimundo Lino Ramos, conhecido como Mestre Pavão, neto do Mestre Julião, nos fez o seguinte relato: A murta, o significado é a pomba do Divino Espírito Santo. Porque quando Jesus mandou a pomba à terra, antes, mandou o urubu. O urubu veio, deu com a carniça e ficou. Ele mandou a pomba, a pomba veio ver se tinha terra. Tinha terra e tinha mata. Então a pomba levou um ramo de flor no bico. Essa flor é o significado da murta. Você pode olhar que é uma coroa e em cima dessa coroa tem uma pomba, essa pomba tem um ramozinho no bico. Tanto em cima do Divino Espírito quanto da Santíssima trindade. Não tem o domingo de ramos? Os ramos é o significado da murta da Santíssima Trindade e do Divino Espírito Santo.
Tendo à frente as bandeiras do Divino Espírito Santo, vermelha
e da Santíssima Trindade, azul, a procissão cantada foi até a casa de Dona Raimunda Ramos,
onde estavam os ramos da murta.
Retornando à casa da festeira tia Biló onde os festejos continuaram. Nas 13 horas de festejo sem interrupção, membros da Associação, formada por pessoas de todas as idades dançaram marabaixo com participação da comunidade homenageando o Divino com ladrões que são cantados há dezenas de anos.
No decorrer da procissão, os participantes dançam o marabaixo nas casas do bairro,
onde são calorosamente recebidos pelos donos.
O Ciclo do Marabaixo iniciou no domingo de Páscoa e segue até 6 de junho, dia de Corpus Christi segundo o calendário católico. Hoje à noite tem o Baile dos Sócios do Divino Espírito Santo e no dia 14 iniciam as novenas do Divino, na casa da tia Biló. A matriarca mora na av: Eliezer Levi, entre Mãe Luzia e Nações Unidas.
A gengibirra é servida a todos que participam.
Com os ramos de murta nas mãos, os participantes seguem pelas ruas
cantando e dançando nas casas do bairro do Laguinho
Ladrões ( fonte: MARABAIXO: IDENTIDADE SOCIAL E ETNICIDADE NA MÚSICA NEGRA DO AMAPÁ, Sheila Mendes Accioly e Sandro Guimarães de Salles )
Os cânticos são chamados "ladrões", porque, durante sua execução, um participante "rouba" a "deixa" do outro e, a partir do mote roubado, de forma improvisada, compõe um novo verso. Segundo depoimento do Mestre Pavão, os mais de cinqüenta "ladrões" do Marabaixo que ainda são lembrados pelos mais velhos foram feitos pelos "antigos", não há novos. Segundo Pavão, o sanfoneiro e compositor Luiz Gonzaga (o conhecido "Rei do Baião") passou em Macapá por época da migração para o Laguinho, hospedou-se na casa de seu avô e ouviu cantar "Aonde tu vai rapaz". Gostou, e, num repente, tirou outro verso ou antes, um novo "ladrão":
"Marabaixo em Macapá
Já teve um grande cartaz
Já foi cantado no Rio
Aonde tu vai rapaz"
Outros ladrões
"A Avenida Getúlio Vargas
Tá ficando que é um primor
Essas casas foram feitas
Pra só morá os douto"
"Aonde tu vais, rapaz
Por esses caminho sozinho
Eu vou fazer minha morada
Lá nos campos do Laguinho"
"Eu tinha, mamãe, eu tinha
Eu tinha meu passarinho
Tava preso na gaiola
Bateu asa e foi embora"
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