segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O Povo Daqui – PARTE III - Trabalho, Alimentação, Saúde e Educação

Em uma pequena casa na Comunidade do Felipe, no município de Mazagão, a aproximadamente 3h e meia de carro de Macapá, mora Seu João Eulálio, de 62 anos, agricultor. “Deixado” pela esposa anos atrás e com todos os seus filhos já casados e morando, uns em Macapá, outros em suas casas próprias em outras comunidades, seu João Eulálio ganha a vida como agricultor; apesar de receber uma pequena aposentadoria do Governo.

Seu João Eulálio, em uma tarde de domingo, limpando sua propriedade.
A "engenhoca" aí é para pressionar a cana e extrair a garapa.

Na roça da sua propriedade ele cultiva banana, cupuaçu, macaxeira, mandioca, batata, abacaxi, cana, entre outras, para vender na feira do produtor em Macapá. A plantação de castanheiras é grande e antiga, a família dele se estabeleceu naquela comunidade antes mesmo da abertura da BR 156, sendo assim, de uns anos para cá, ele faz somente a coleta dos ouriços. O valor dado à castanha-do-pará*1 só é medido pelo lucro obtido pela venda do produto na feira, Seu João e os demais moradores desconhecem sua importância nutritiva. Mas Caldeci, um dos filhos de Seu João, exalta a importância do leite da castanha pra acompanhar certos pratos típicos. Segundo ele, é uma iguaria ímpar.



Seu Caldeci coletou ouriços de castanha-do-pará , jacas e cupuaçus para mim: mimos para visitantes.
Açaí-branco
O açaí branco e o preto são batidos na máquina, mas a bacaba só é saborosa se for amassada a mão. Batida na máquina, fica "travosa"*2.
 
A vassoura-de-bruxa ameaça a plantação de cupuaçu, nenhum morador da comunidade tem o conhecimento necessário para combater a praga. Agentes do governo não aparecem na localidade.

Dona Cândida, namorada de Seu João, vem quase todos os finais de semana para o interior. Ele, "largado" pela mulher, e ela, viúva, foram apresentados por uma das filhas do namorado. Mesmo que "estejam se gostando" e com os filhos torcendo pela união definitiva do casal, Dona Cândida é muito sensata: ainda está "pensando no caso dele".

Galinhas, patos, porcos e uma modesta criação de gado ajudam a compor o cardápio em proteínas, mas a base da alimentação diária é feijão, arroz e enlatados, todos comprados em Macapá nas vindas à capital por ocasião da feira do produtor. Fiquei um tanto frustrada com a quantidade de enlatados consumidos, a impressão que temos é que as pessoas que vivem num lugar tão lindo têm uma dieta mais saudável. Porém quem somos nós da cidade para ficarmos assustados com isso, se nós mesmos nos saciamos com sanduíches, pizzas, nugets ....??? E olha que, é bom lembrar, temos o conhecimento dos males causados por esse tipo de alimentação.


Patos, porcos, galinhas fazem parte do cardápio para fins de semana ou ocasiões especiais.


Na casa de Seu João, são utilizados fogão de barro, alimentado pelo carvão queimado na caieira; fogão de lenha, e o fogão à gás. Como ele vive só, o fogão à lenha é o mais utilizado.
Na cozinha da casa o café já estava pronto, o que é um bom sinal, significa que há quem cuide da casa e o dono sempre está preparado para receber uma visita. Para as pessoas do interior é uma questão de honra ter uma café para oferecer. Nada de dar um minuto para passar um cafezinho, este já deve estar pronto.
A mesa é de tamanho médio retangular e os bancos inteiros compridos. Quando a família é numerosa, sentam-se à mesa primeiro o "velho" e os filhos que trabalham diretamente com ele. Quandos estes terminam a refeição, sentam-se os filhos menores e mulheres. As mulheres fazem as refeições após os "que trabalham" pois elas devem servir à mesa.
Mesas, bancos e uma parte da casa são construídos com madeira do próprio terreno: acapú, maçaranduba, pau-amarelo, quari-quari, foram as madeiras utilizadas por Seu João.
Fogão à gás, um freezer, um aparelho de som e uma máquina de bater açaí oferecem um maior conforto a ele.
 
A localização da casa de Seu João é invejável: em frente a um riacho que percorrendo alguns metros mais, forma o rio Felipe. Diretamente desse riacho, ele tira a água para seu consumo. Não é fervida nem filtrada. Mas, segundo os moradores , é limpa.
 
No tocante aos problemas de enfermidade, todos são dependentes de atendimento médico e farmacêutico em Macapá. Mas para a diárréia,  os moradores dominam muito bem o preparo de chás.
A raíz e o grelo (palmito)  do açaizeiro são utilizados no preparo dos remédios: a raíz é "socada", batida e deixada em uma vasilha com água.  Passados alguns minutos o doente bebe daquela água. O mesmo se faz com o caroço do açaí, também para combater esta enfermidade.

Maria do Socorro Leite da Conceição, líder comunitária da Comunidade do Felipe, em Mazagão, fez um abaixo-assinado para a construção de uma escola na própria comunidade. As crianças têm que tomar uma kombi para ir ao colégio na Vila do Maracá. Uma escola e um centro de orações, segundo ela, é o que os moradores mais precisam.


*1 A castanha-do-pará, ou castanha-do-brasil é a semente da castanheira-do-pará (Bertholletia excelsa) uma árvore da família botânica Lecythidaceae, nativa emergente da Floresta Amazônica. É um fruto com alto teor calórico e protéico.
http://pt.wikipedia.org
Nutricionalmente, as castanhas-do-pará são ricas em selênio, embora a quantidade de selênio varie consideravelmente. São também uma boa fonte de magnésio e tiamina. Algumas pesquisas indicaram que o consumo de selênio está relacionado com uma redução no risco de câncer de próstata.Isto levou alguns analistas a recomendarem o consumo de castanhas-do-pará como uma medida preventiva..Estudos subsequentes sobre o efeito do selênio no câncer de próstata foram inconclusivos

O chá da casca da castanheira-do-pará é usado na Amazônia para tratamento do fígado, e a infusão de suas sementes para problemas estomacais.
Por seu conteúdo em selênio, a castanha é antioxidante.
Seu óleo é usado como umidificador da pele
Fonte: http://pt.wikipedia.org/
Um dos principais benefícios do selênio é a sua capacidade de desintoxicar o organismo. O mineral atua em mecanismos que favorecem a eliminação de metais pesados pelas fezes e pela urina, explica a nutricionista Bárbara Rita Cardoso. Esses metais nocivos, como o mercúrio e o arsênico, ficam impregnados no organismo quando, por exemplo, consumimos peixes de má procedência, que vieram de águas poluídas. E, daí, disparam inúmeros problemas em nossos tecidos, do envelhecimento ao câncer algo que é freado com o sistema de limpeza acionado pelo consumo da castanha.
Fonte: http://saude.abril.com.br/

*2 travoso(sa) é o mesmo que travo, de sabor amargo.


 

Ana Flávia, "imobilizada"

Minha filhota, Ana Flávia, 14 anos, que fotografa para o blog, deslocou o joelho no último dia 13. Desde então ela está imobilizada pela tala que abrange praticamente toda sua perna direita. Apesar do tremendo susto que passamos, ela está bem e mesmo nesta condição, recomeça os estudos nesta segunda-feira.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Carnaval 2010

A minha Escola de Samba, "Boêmios do Laguinho", fez um MARAVILHOSO desfile!! Modéstia a parte eu ajudei!

Eu e minha prima, Sara, na ala "Amazonas, mulheres guerreiras".

Nos Blocos

No bloco "Pererê".

No bloco "Unidos do Pau Grande"

Com a galera

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Curiaú Mirim.

O balneário do Curiaú Mirim fica dentro da APA do Curiaú ( Área de Proteção Ambiental ). O acesso a ele é pela rodovia do Curiaú e percorre-se uma linda floresta com trechos fechados, o que faz com que o meio de transporte mais adequado seja a bicicleta.

Crianças a caminho do balneário: devido aos trechos muito fechados da floresta,
a bicicleta é o meio de transporte mais adequada para se chegar lá.

O acesso ao Curiaú Mirim se dá por meio da floresta: a vegetação é rica em espécies e para os mais experientes há diversas trilhas onde se pode conhecer um pouco mais sobre a flora e a fauna do local.

Fotos: Flávia Pennafort
O esforço de pedalar a bicicleta é confortado pela maravilhosa paisagem amazônica.


O visitante conta com os serviços de um modesto bar no local. Além de rampas de madeira que dão acesso ao banho no rio.

O Povo Daqui – PARTE II – Comunidades do Interior do Estado

Dando continuidade ao projeto “Povo Daqui”, Flávia e eu mostramos agora o modo de viver de uma comunidade do interior do Estado: Santo Antônio da Pedreira. Situada às proximidades do rio Pedreira a 92 km de Macapá, seguindo pela AP070, nesta localidade as moradias são erguidas tanto em madeira cobertas com telhas brasilit ou de barro, quanto em alvenaria com as mesmas coberturas.

É óbvio que quanto mais próximo da área urbana a comunidade está situada, mais influências “modernas” são percebidas.  

Na casa de Dona Ivaneide Santana Duarte, podemos perceber tais influências, apesar do alto custo do frete para levar materiais de construção, casas em alvenaria já representam significativa porcentagem. Além disso, as habitações têm fogão à gás e geladeira como itens de necessidade básica.

Dona Ivaneide mora em uma pequena casa em alvenaria, coberta com telhas brasilit.

Dona Ivaneide é uma simpática e comunicativa habitante da localidade. Nascida e criada na Foz do Rio Pedreira, mora em Santo Antônio desde os 16 anos quando casou e hoje aos 68 anos com um sorriso de tristeza e um brilho de saudade nos olhos, típico de nossa gente do interior, relata que já não trabalha muito como antigamente. “O que eu ainda faço é pescar”, diz ela. “Eu pego a montaria, o casco, e vou lá prá longe .. sabe ? Eu sou piloto”. Nesta última afirmação, minha cicerone assumiu uma tonalidade séria ao inflar o peito, impondo reponsabilidade. E não é pra menos, o piloto de uma montaria ( casco, canoa ) é quem dá a direção do transporte assim como o motorista de carro, piltoto de avião, etc. Quem já experimentou remar cascos em rios grandes sabe que não é simplesmente remar, é preciso dar uma direção e esta é a tarefa do piloto que “tarea” o remo dentro d´água. Calma, calma... Tarear é equilibrar. O que ele faz é colocar o remo dentro d´água, como se fosse um leme, mas sem inclinações, pois uma vez que se remarmos do lado direito, o casco tem a tendência de ir pra esquerda e vice-versa. Então o remo deve servir de leme para equilibrar o casco a fim de tomar a direção reta necessária.

O aspecto positivo dessa “proximidade” com a área urbana é que no caso de pessoas idosas, os itens como fogão à gás, batedeira de açaí, lavadora de roupa, entre outras coisas, facilitam o trabalho doméstico. Um exemplo: os mais jovens vão pro mato apanhar o açaí e Dona Ivaneide bate a fruta na sua máquina. Diferente de tempos atrás, quando o açaí era amassado à mão.

Máquina de bater açaí.

Embora tenha fogão à gás, Dona Ivoneide mantém seu fogão de barro e lenha para “um caso de necessidade na falta do gás ou para assar um peixe na brasa”.


FOTOS: FLÁVIA PENNAFORT


Autêntico fogão de lenha e uma vassourinha de terreiro, que nada mais é que o cacho de açaí sem os frutos.

 Estoque de lenha da casa.

Para a alimentação básica “plantamos de tudo: abacate, banana, laranja, limão, alface, coentro, cebolinha...”

Horta e bananeira

Caieira

E olha só, Dona Ivaneide também tem uma caieira! Só que feita com técnica diferente: é cavado um buraco onde é jogada lenha, cobre-se o buraco com tábuas,  folhas e por fim uma grossa camada de terra. São deixados dois buracos, um em cada extremidade da caieira. O fogo é aceso por um e quando a fumaça sai pelo buraco da outra extremidade é sinal que o carvão está pronto. Parece simples, mas não é, "precisa de ciência": a lenha não é incendiada, ela precisa ficar queimando em brasas e não em labaredas. Isso demora de 3 a 5 dias, dependendo da quantidade de madeira. E mais 2 dias para que as pedras de carvão esfriem e seja feito o trabalho de retirada da terra, folhas e tábuas. "É muito trabalhoso", lamenta Dona Ivaneide.


Caieira

Os habitantes de comunidades do interior gozam da utilidade das máquinas e eletrodomésticos, mas não abrem mão do modo de viver repassado pelos descendentes. Na verdade eles têm uma vantagem sobre nós da cidade: não são dependentes de tecnologias desconhecidas para sobreviver.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O Povo Daqui – PARTE I

Flávia e eu começamos a traçar as características do modo de viver do nosso caboclo, o nosso povo da floresta. A parte I do “ Povo Daqui” trata do local de habitação deste.

Quanto ao local da habitação podemos dividir em três: os que moram às margens das estradas; os ribeirinhos ( margem dos rios ); os que moram nas comunidades/vilas/distritos interioranos.

Às margens das estradas:

As casas

São construídas com o que a floresta tem a oferecer: madeira e folhas que depois de secas, se transformam em palha.

Fotos: Flávia Pennafort


Caieira

Forno de barro e tijolos em forma arredondada edificado em cima de um buraco para queima de madeira e obtenção do carvão, tem uma entrada grande por onde é colocada a madeira e um orifício em cima, que faz as vezes de chaminé, por onde sai o excesso de fumaça.


Esta verdadeira edificação dá independência ao caboclo pois o carvão resultante é o combustível viável para cozer os alimentos. E dependendo do local ou da época pode gerar uma fonte de renda/troca. Em meus tempos de infância aqui nas bandas do Laguinho, eu tinha amigos cujos pais construiam caieiras em casa. Mas não eram como desta da foto: eram feitos buracos no chão onde a madeira era jogada e queimada formando uma verdadeira fornalha, e a cobertura eram tábuas dispostas lado a lado. É óbvio que essa construção era um verdadeiro perigo para as crianças que corriam pelos quintais dos vizinhos e chegavam a pular as caieiras numa demonstração de valentia.

Trilhas

Nos tempos de turismo ecológico imaginamos uma trilha com setas para a esquerda, direita, indicando a trilha “da onça”, “do veado”, “lanchonete”, “banheiros”. Mas a trilha do nosso caboclo é esta abaixo.



São os caminhos do trabalho: “pavimentados” com pés e terçados, por onde o caboclo sai para a caça e a coleta dos frutos, castanhas, extração de madeira, ou seja, tudo o que a floresta oferece para a sobrevivência deste.

E se um nativo falar que tal trilha é a “trilha da onça” as Hélidas da vida jamais andarão por ela.


Açaizeiros provém além do vinho, o palmito.

A natureza é generosa com o povo da Amazônia. Talvez seja por isso que a ambição e a cobiça não faça parte do caráter do povo daqui. Temos uma visão dominante de que o caboclo ou o índio são ociosos. Mas isso de maneira alguma é verdade.  Á questão é que tamanha generosidade não infla o desejo de posse ou acumulação de bens.

Arqueologia no Amapá – PARTE I.

Inscrições rupestres em Ferreira Gomes

Nem todos sabem, mas o Amapá tem sítios arqueológicos. Chega a ser desnecessário afirmar que estes são interessantes, pois, afinal de contas, qual sítio arqueológico não é muito interessante?
Na região do Tracajatuba, a poucos quilômetros de Ferreira Gomes, foram encontrados desenhos rupestres em baixo relevo em rochas a céu aberto.

Fotos: Flávia Pennafort


A desoberta é recente e desde 1996 arqueólogos do museu paraense "Emílio Goeldi" vêm até o local para fazer estudos das inscrições. O local veio a ser conhecido como Pedra do Índio.

As figuras mais compreensíveis



Quando vi estas três cruzes lembrei da parte da constelação de Órion popularmente conhecida como "Três Marias"

Ao observar as imagens, vêm à mente o que significam e o porquê das pessoas que viveram naquela região terem o árduo trabalho de gravar em rochas de origem magmáticas tais figuras. É claro que o desenho é uma forma de expressão, desenhamos aquilo que vemos, que gostamos, que queremos deixar. Mas o gostoso de conhecer esses locais é que ficamos intrigados por não compreendermos exatamente o significado dos mesmos. É claro que as três cruzes são bem claras para uma pessoa leiga. Seriam constelações? Provavelmente. Estudos arqueológicos esclarecem que o homem tinha por hábito desenhar corpos celestes ( sol, lua estrelas, etc ), suas atividades cotidianas ( caça, rituais de dança, )

Com relação a essas inscrições nada de certo ou unânime foi declarado pela equipe científica que se dedica ao estudo.

Aliás o que de certo temos a respeito dos desenhos rupestres?




“Barba-de-bode” é assim que é chamada a vegetação rasteira que predomina na área
do sítio arqueológico da Pedra do Índio.



Agradeço a atenção recebida por parte do Professor/Historiador José Farias,
do Museu Joaquim Caetano da Silva