Este ano, o Distrito de Mazagão Velho celebrou 233 anos de festividades em louvor a São Tiago. Cumprindo uma extensa programação no período de 16 a 28 de julho, que envolveu missas, procissões, novenas, ladainhas, dança típica, entre outros. A festividade tem como ponto máximo as encenações, no dia 25, das lutas entre mouros e cristãos travadas na segunda metade do século XVIII, no norte do continente Africano. Trata-se de um verdadeiro espetáculo ao ar livre, produzido e representado pelos membros da comunidade.
O número de visitantes cresce a cada ano. À sombra das árvores às margens do rio Mutuacá
eles esperam pelo início do espetáculo
O colonizadores de Mazagão vieram da cidade fortificada do mesmo nome, situada em Marrocos, no continente Africano que nas últimas décadas do século XVIII era a única é última possessão portuguesa no norte daquele continente. O interesse de Portugal na cidade se dava pela situação geográfica privilegiada de seus portos que favorecia o comércio. Os marroquinos formavam, assim, um único reduto cristão no mundo mulçumano. Tal situação gerou um período de muitos conflitos religiosos em que mouros e cristãos ( mulçumanos ) se enfrentaram em batalhas sangrentas até que em 1769 “O governador da Praça de Mazagão, Dinis Gregório de Melo e Castro, percebendo que a situação estava insustentável – grandes perdas humanas, devido ao último ataque de 1768, e falta de mantimentos – levou a Coroa a reconhecer que não poderiam mais conservar a praça – forte. Daí resultou a decisão de D. José – sob a influência de Pombal – de abandonar a praça, o que foi feito no dia 15 de março de 1769, seguindo a população remanescente para Lisboa.” ( Albuquerque, 2007 )
O interessante desse conflito entre mouros e cristãos é que os últimos foram expulsos por causa da guerra religiosa, mas não perderam as batalhas. Tiveram muitas perdas humanas e materiais como é sabido, mas o êxito militar é orgulhosamente encenado durante as festividades no mês de julho. Segundo relatos de populares a campanha militar cristã foi tão brava e astuta que atribui-se a vitória graças à intervenção de São Tiago, que lutou na forma de um guerreiro anônimo.
Atores representando os soldados cristãos vestem trajes brancos.
Soldados mouros trajam branco e vermelho
A tradição em defender a fé cristã e o domínio lusitano impulsionou a Coroa a trazer as famílias da Mazagão africana para o norte do Brasil a fim de colonizar a região e impedir o assentamento estrangeiro nas possessões lusitanas.
No dia 24, há a "Entrega dos Presentes" e o "Baile de Máscaras". Os mouros não conseguindo êxito militar decidiram apelar a outras estratégias: ofereceram aos cristãos comida envenenada como presente de trégua. Desconfiados, os cristãos jogaram uma parte da comida aos animais do inimigo confirmando assim, a suspeita de que estaria envenenada.
Um baile de máscaras é oferecido pelos mouros para que os cristãos que quisessem “trocar de lado”, pudessem fazê-lo sem ser reconhecidos. É nesta ocasião que os mouros provam do próprio veneno: os cristãos levaram o que sobrou da comida presenteada e a distribuíram entre os inimigos. Muitos soldados morreram, entre eles, o rei Caldeira, líder muçulmano, que foi substituído por seu filho, Caldeirinha. Este ordenou o rapto das crianças cristãs que foram vendidas e o dinheiro arrecadado serviu para a compra de armamentos.
Este fato inflamou a fúria dos cristãos que recomeçaram a campanha com tão grande anseio de vencer que chegaram a pedir a Deus que prolongasse o dia para que tivessem mais tempo para conseguir a vitória. Batalha após batalha, o rei Calderinha foi aprisionado, muitos soldados mouros foram mortos, o restante fugiu. Campanha vencida, … “os cristãos rejubilaram-se pela vitória agradecendo a Deus e, em passeata, levaram o rei mouro vencido. À noite, depois de tudo, organizaram um baile chamado “Vomonê” ou “Vominê”, que vem simbolizar a vitória alcançada por eles.”
( Fonte: http://www.edgarrodrigues.com.br/variedades/a-festa-de-sao-tiago-em-mazagao-velho )
Mascarados: durante as festividades raptam as crianças que são resgatadas
por seus pais mediante pagamento simbólico: um pedaço de papel. Esta tradição mantém viva na memória o rapto das crianças cristãs ordenado pelo rei Caldeirinha.
"Bobo Velho", espião mouro que se infiltrou entre os cristãos para conhecer as estratégias
destes e ao ser descoberto foi expulso a pedradas e pauladas.Todos os anos um ator representa o espião. Ele percorre a cavalo um determinado circuito da cidade recebendo arremessos de bagaços de laranja. O ato é uma maneira de humilhar as forças inimigas derrotadas. O ator voluntário às vezes é um pagador de promessas. Pode até parecer brincadeira, mas o choque dos bagaços com o corpo são muito bem ouvidos e quem testemunha de perto pode garantir que os espectadores têm boa pontaria.
Crianças mazaganenses preparando a “artilharia”.
Elas chupam laranjas para arremessar o bagaço no “Bobo Velho”.
Atalaia, espião cristão que arrebatou a bandeira inimiga.
Foi morto e decapitado como forma de intimidação às forças cristãs.
Mais sobre Mazagão: Rio Mutuacá
O rio está se estreitando a cada ano. Contam os moradores que tal fenômeno se dá em razão de uma maldição É que nas primeiras décadas da colonização, o padre da cidade permitiu que fosse realizada festa profana no dia dedicado a São Tiago provocando a revolta dos moradores devotos do santo. O padre foi expulso da cidade, mas antes de partir profetizou que o rio Mutuacá iria secar a tal ponto que uma galinha o atravessaria voando.
Em sua “Lendas do Amapá: A Maldição do Padre”, o pesquisador Edgar Rodrigues nos dá outra versão: o padre juntou boa fortuna e foi ao Pará trazendo consigo dezenas de brilhantes em forma de olhos, os quais foram colocados nos santos, inclusive em São Tiago. O sacristão da igreja, por acidente, descobriu que em vez de brilhantes, os santos tinham olhos de vidro. Revoltados com o padre, a população o aprisionou e o condenou a morte. “Quando estava na eminência de balançar no cadafalso, o sacerdote limpou suas sandálias no chão e amaldiçoou o povoado, profetizando que em alguns anos o rio Mutuacá ficaria tão seco que seria possível uma galinha atravessar andando por seu leito. Morto o padre desonesto, o rio também começou a morrer. Seu leito foi se estreitando de tal maneira que até mesmo as pequenas embarcações tinham dificuldades em navegar. Em pouco tempo morreu também o comércio local e muitos mudaram-se em busca de melhores condições de vida, formando a vila de Mazagão Novo.” ( http://www.edgarrodrigues.com.br/variedades/mortedopadre )
Há, ainda, uma outra versão para o estreitamento do rio: durante o movimento da Cabanagem, os mazaganenses a fim de evitar a entrada das forças do movimento Cabano, alteraram o curso das águas do Mutuacá ao colocar grandes pedras no seu leito.
Visitar Mazagão é retornar ao passado!
Ruínas de uma igreja construída no século XVIII.