Dando continuidade ao projeto “Povo Daqui”, Flávia e eu mostramos agora o modo de viver de uma comunidade do interior do Estado: Santo Antônio da Pedreira. Situada às proximidades do rio Pedreira a 92 km de Macapá, seguindo pela AP070, nesta localidade as moradias são erguidas tanto em madeira cobertas com telhas brasilit ou de barro, quanto em alvenaria com as mesmas coberturas.
É óbvio que quanto mais próximo da área urbana a comunidade está situada, mais influências “modernas” são percebidas.
Na casa de Dona Ivaneide Santana Duarte, podemos perceber tais influências, apesar do alto custo do frete para levar materiais de construção, casas em alvenaria já representam significativa porcentagem. Além disso, as habitações têm fogão à gás e geladeira como itens de necessidade básica.
Dona Ivaneide mora em uma pequena casa em alvenaria, coberta com telhas brasilit.
Dona Ivaneide é uma simpática e comunicativa habitante da localidade. Nascida e criada na Foz do Rio Pedreira, mora em Santo Antônio desde os 16 anos quando casou e hoje aos 68 anos com um sorriso de tristeza e um brilho de saudade nos olhos, típico de nossa gente do interior, relata que já não trabalha muito como antigamente. “O que eu ainda faço é pescar”, diz ela. “Eu pego a montaria, o casco, e vou lá prá longe .. sabe ? Eu sou piloto”. Nesta última afirmação, minha cicerone assumiu uma tonalidade séria ao inflar o peito, impondo reponsabilidade. E não é pra menos, o piloto de uma montaria ( casco, canoa ) é quem dá a direção do transporte assim como o motorista de carro, piltoto de avião, etc. Quem já experimentou remar cascos em rios grandes sabe que não é simplesmente remar, é preciso dar uma direção e esta é a tarefa do piloto que “tarea” o remo dentro d´água. Calma, calma... Tarear é equilibrar. O que ele faz é colocar o remo dentro d´água, como se fosse um leme, mas sem inclinações, pois uma vez que se remarmos do lado direito, o casco tem a tendência de ir pra esquerda e vice-versa. Então o remo deve servir de leme para equilibrar o casco a fim de tomar a direção reta necessária.
O aspecto positivo dessa “proximidade” com a área urbana é que no caso de pessoas idosas, os itens como fogão à gás, batedeira de açaí, lavadora de roupa, entre outras coisas, facilitam o trabalho doméstico. Um exemplo: os mais jovens vão pro mato apanhar o açaí e Dona Ivaneide bate a fruta na sua máquina. Diferente de tempos atrás, quando o açaí era amassado à mão.
Máquina de bater açaí.
Embora tenha fogão à gás, Dona Ivoneide mantém seu fogão de barro e lenha para “um caso de necessidade na falta do gás ou para assar um peixe na brasa”.
FOTOS: FLÁVIA PENNAFORT
Autêntico fogão de lenha e uma vassourinha de terreiro, que nada mais é que o cacho de açaí sem os frutos.
Estoque de lenha da casa.
Para a alimentação básica “plantamos de tudo: abacate, banana, laranja, limão, alface, coentro, cebolinha...”
Horta e bananeira
Caieira
E olha só, Dona Ivaneide também tem uma caieira! Só que feita com técnica diferente: é cavado um buraco onde é jogada lenha, cobre-se o buraco com tábuas, folhas e por fim uma grossa camada de terra. São deixados dois buracos, um em cada extremidade da caieira. O fogo é aceso por um e quando a fumaça sai pelo buraco da outra extremidade é sinal que o carvão está pronto. Parece simples, mas não é, "precisa de ciência": a lenha não é incendiada, ela precisa ficar queimando em brasas e não em labaredas. Isso demora de 3 a 5 dias, dependendo da quantidade de madeira. E mais 2 dias para que as pedras de carvão esfriem e seja feito o trabalho de retirada da terra, folhas e tábuas. "É muito trabalhoso", lamenta Dona Ivaneide.
Caieira
Os habitantes de comunidades do interior gozam da utilidade das máquinas e eletrodomésticos, mas não abrem mão do modo de viver repassado pelos descendentes. Na verdade eles têm uma vantagem sobre nós da cidade: não são dependentes de tecnologias desconhecidas para sobreviver.
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